“Bons cristãos e honestos cidadãos”: a frase de Dom Bosco, adotada como tema para a Família Salesiana com a Estreia 2020, pode alcançar também os jovens encarcerados?
Um carisma não nasce do nada, é dom de Deus. Dom Bosco foi um desses homens que afirmou, com sua vida e sua generosidade, que o Pai é amoroso e acompanha todos os seus filhos e, com uma predileção especial, os mais rebeldes e marginalizados.
O Pai e Mestre da Juventude preocupou-se com cada um dos meninos que passaram por sua vida, por suas obras e por seu coração. Eram, enquanto filhos de Deus, únicos com suas histórias, potencialidades, dificuldades. Olhava para o essencial de cada um e sabia buscar “o ponto acessível ao bem”, o fio condutor que os levaria a uma experiência de Deus.
Em 1841, em Turim (Itália), acompanhado do padre Cafasso, que já realizava tal serviço, começou a visitar o cárcere juvenil. Ao deparar com tal contexto, pensou que, se aqueles jovens tivessem algum amigo fiel que os conduzisse no caminho do bem, da religião e dos estudos, não voltariam àquela realidade ou sequer chegariam a ela. Entendia que precisava libertá-los das amarras das grades materiais, espirituais e psicológicas e estimular o protagonismo, a bondade e a dignidade, naturais a todo ser humano. Para o redirecionamento desses meninos, João Bosco pensou um itinerário. Seu Sistema Preventivo combinava: ambiente favorável, projeto educativo adequado, vínculo afetivo, alegria, espiritualidade, razão, motivação.
Na origem da Congregação Salesiana
As experiências de Dom Bosco com as prisões deram origem à Congregação Salesiana. A partir da realidade dos jovens abandonados e excluídos, João Bosco sente a necessidade dos oratórios, da casa que acolhe, da escola que educa, da igreja que evangeliza e do pátio que estabelece relações profundas e duradouras. Dizia ele aos seus colaboradores que um jovem, mesmo dotado de índole difícil, dobra-se facilmente ao bem se for tratado com amabilidade.
A religião, a razão e o amor demonstrado (amorevolezza) tornaram-se os pilares do seu sistema educativo e preventivo. Sua ideia tinha um viés duplo. Servia para que aqueles presos não voltassem ao cárcere e para que aqueles que estivessem fora, não chegassem lá. Entendeu até o fim da vida que um jovem nunca é corrompido totalmente. Com essa certeza, sempre acreditou que houvesse possibilidades de aplicação do seu método educativo, afim de garantir vida social e salvação espiritual.
O padre Juan Edmundo Vecchi, 8° sucessor de Dom Bosco, afirmou: “[…] A Preventividade pode ser aplicada também à recuperação dos sujeitos individuais, já atingidos pelas consequências da marginalidade e do desconforto. Antes, mais do que isso, como forma otimizante para despertar as energias deles, até então ainda sadias e, desse modo, conter, dentro dos devidos limites, uma eventual deterioração ou neutralização deles”.
Devido à sua entrega a tal pastoral, Dom Bosco foi considerado Apóstolo do Cárcere, pois tinha os jovens pobres e abandonados como prioridade de sua vida. Não media esforços para ser sinal e portador do amor de Deus a essa parcela especifica dos filhos do Criador. Nessa mesma sintonia de compreensão carismática, os Salesianos de Dom Bosco continuam essa missão do fundador junto aos adolescentes que se envolveram com a prática de atos infracionais e estão em cumprimento de medidas socioeducativas. São diversos projetos em todo mundo, encabeçados por consagrados e leigos engajados, que bebem do carisma do pastorzinho dos Becchi.
Ação salesiana
Entre tantas e bonitas experiências, vale lembrar o Programa do Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) iniciado em 2001, em São Carlos, interior de São Paulo, que, com participação decisiva dos Salesianos e outras instituições públicas e o Poder Judiciário, tornou-se referência no Brasil. Ainda hoje continua funcionando e os Salesianos respondem no município pelos programas de meio aberto: Prestação de Serviço à Comunidade e Liberdade Assistida. Os Salesianos são responsáveis pelo meio aberto também no Projeto Jataí (Pindamonhangaba, SP); e em Itaquera e Santa Luzia, na capital paulista; em Recife, PE, por meio da Escola Dom Bosco; e também em Manicoré, AM.
Como apoio e ação pastoral junto às unidades onde adolescentes cumprem medida de internação, atividades educativas são realizadas pelas Filhas de Maria Auxiliadora em Porto Alegre, RS; pelos noviços salesianos em Curitiba, PR; pelo Centro Educacional Dom Bosco de Jaboatão, PE e em Lorena, SP, pelos pós-noviços e jovens universitários do UNISAL. A participação dos Salesianos foi decisiva desde 2016 para o reordenamento do sistema socioeducativo no Estado do Ceará.
Internacionalmente, pode-se destacar a atuação dos salesianos nas Filipinas, onde desde 2006 começaram a ajudar o governo local a tirar mais de 20 mil crianças e adolescentes, entre 9 e 14 anos, que se encontravam em cárceres juvenis. Desde 2017, a Rede Salesiana Brasil vem apoiando o UNICEF e os Salesianos de Angola (África) para iniciar o acompanhamento no meio aberto de adolescentes daquele país, numa ação articulada com o governo local. No México, além de acompanhar adolescentes nas unidades de internação, inicia-se um trabalho de proteção àqueles que querem deixar as facções que atuam no narcotráfico.
Promover a vida desses jovens descrentes de si mesmos, por meio da educação e do acompanhamento, é sinal de devolutiva de dignidade e de construção da civilização do amor. Eles necessitam de pessoas que os queiram bem e que sejam pontes ao invés de muros, que relembrem a eles que não se resumem a um ato infracional, mas que possuem muito mais futuro do que passado e que, por sua humanidade, são bons por natureza, são filhos de Deus.
Artigo publicado no Boletim Salesiano impresso e virtual no ano de 2020.
Escrito com repercussão nacional.
Autoria de Ronnaldh Oliveira e Pe. Agnaldo Soares Lima, SDB