Acompanhar os jovens é uma obra de arte. É necessário investir tempo, presença significativa, escuta e cultivo da confiança. Como uma pedra bruta a ser lapidada pelo escultor, há a necessidade de um olhar atento que sabe enxergar além; de um coração aberto e disponível afim de perceber que o acompanhamento é um caminho “a dois” e que o crescimento se dá mais no diálogo do que na imposição.
Em uma realidade onde assustadoramente as pessoas são expostas e vigiadas por todos, destacando-se em verdadeiras vitrines nas redes sociais, somos cada vez mais como Igreja, convidados a “aprender a descalçar sempre as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex. 3,5)”. Longe dos julgamentos, das interpretações abusivas e descompromissadamente aceleradas, mas com a sensibilidade de querer enxergar a realidade, a postura deve ser de compaixão, respeito, amizade e busca contínua da empatia. Fora desses horizontes, compreender os jovens contemporâneos, sobretudo os mais fragilizados, torna-se uma experiência por vezes frustrante e ineficaz do ponto de vista da promoção da vida.
Há abundância em vitalidade quando se é permitido que o outro seja quem é. Sentindo-se em um ambiente seguro, os jovens não têm receios de tirar as máscaras e as “armaduras” sociais de sobrevivência. Feliz aquele que consegue ter acesso a este ser humano em desenvolvimento tal qual como é e contribuir com o seu crescimento. Para que haja eficácia no caminho conjunto, é necessário a audácia de lançarmo-nos neste universo ainda não tão explorado, na certeza de encontrar água viva que brota do coração de Jesus. Sob a luz D’aquele que acompanha a humanidade sem sessar, até os fins dos tempos (cf Mt 28,20), a comunidade eclesial precisa ser casa que acolhe, coração materno e pátio do cultivo dos vínculos e das relações fraternas – o lugar por excelência do Encontro.
Um olhar para o acompanhamento
A pós modernidade é marcada cada vez mais por traços que rompem com os vínculos institucionais. A experiência comunitária torna-se fragmentada e pouco atraente, onde por outro lado, a vivência pessoal e intimista é incentivada. “Eu posso, eu consigo – Yes, I Can! A lógica da fé abstrai-se em uma espécie de “kit religioso”, justamente pelo abandono das matrizes institucionais, onde o indivíduo monta aquilo que interessa e o faz bem e que está presente nas mais variadas religiões. “tal tendência bate bem com o gosto dos jovens pós modernos, de modo que existem ambientes juvenis altamente religiosos, sem veiculação com nenhuma instituição.” Buscam o transcendental religioso, mas fogem das estruturas clássicas.
Por mais que busquem, compreendem Deus de uma forma diferente das gerações provectas. “Não raro, os jovens lhe têm ideia vaga, a modo de energia e força espiritual envolvente, que eles antes sentem do que com quem se relacionam. A figura de Jesus toca-lhes preferentemente a afetividade, provoca emoção, admiração, até paixão, mas não seguimento. Relativizam sem dificuldades os valores éticos de modo que a diferença entre certo e errado se esfuma.”. Atentos a essa realidade, religiosos, sacerdotes e leigos devem propor a proximidade que permite a sintonia. Não se faz acompanhamento a distância, e aqui, não se refere a momentos online, mas no estrito sentido de não participar do cotidiano do outro. O pastoreio das ovelhas é constante e elas não fogem dos olhos de quem cuida. O Pastor precisa ter o cheiro de suas ovelhas, por amor e cuidado.
A chave do acompanhamento está em fazer o esforço de pisar onde eles pisam e enxergar o que eles enxergam. Não podemos mais esperar. É necessário sair das teorias, dos escritórios, das sacristias e abraçá-los como o pai abraça o filho que retorna para casa (cf Lc 15, 11-32). Se não queremos cair no esquecimento, precisamos cada vez mais como comunidade de fiéis que se amam, abandonar “as estruturas que nos dão falsas seguranças, as normas que nos fazem juízes implacáveis” e com amabilidade e gratuidade investir na cultura do encontro gerador de vida. “Se não olho — não é suficiente ver, não: é preciso olhar — se não paro, se não olho, se não toco, se não falo, não posso realizar um encontro, não posso ajudar a construir uma cultura do encontro”.
A amabilidade como instrumento precursor
Ninguém deveria acompanhar sem um rumo. Há a necessidade de um itinerário, saber onde se quer chegar. A didática para um caminho de sucesso é sem sombra de dúvidas a amabilidade e o diálogo. “Aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contato: tudo isso se resume no verbo dialogar”. Esse processo com os jovens deve ser feito de forma a aproximá-lo da vida eclesial, da comunidade de fé com o instrumento precursor da amabilidade. O contato não é mais somente através de livros didáticos, mas sobretudo com a vida. Ela é o que deve fazer-se conciliar, a abertura de coração, o caminhar no mesmo passo, mas com o preparo da escuta atenta que gera encontro e unidade.
O amor, mais do que um mero sentir, perpassa pelo horizonte da escolha, do investimento e da decisão. Neste processo que deve ser cada vez mais concreto, exige da Igreja a abertura ao novo, a novas perspectivas e horizontes. Se há a primordialidade de educar para a fé, há a inevitabilidade da escuta da realidade. Permitir-se a essa vivência é um ato de amor e sobrevivência. A Igreja não vive um estado de calamidade em relação aos fiéis, mas sob a ótica do amor mútuo, nunca deve perder de vista o olhar para com todos, compreendendo-se cada vez mais como a casa aberta do Pai, onde há espaço de voz e de vez para os filhos de Deus.
O acompanhamento juvenil assimilado a partir do caminho da amabilidade permite-se construir uma comunidade eclesial em conjunto. Um não sabe mais que o outro. A troca de experiências de quem já está, com aqueles que chegam ou até mesmo já estão e não eram notados é uma riqueza incomensurável do ponto de vista evangélico. Nesta edificação valiosa os olhares são multidisciplinares e permitem um caminhar sob os mesmos interesses, evidenciando e valorizando o que cada um tem a contribuir.
Os jovens buscam cada vez mais serem compreendidos e querem ser de alguma forma acompanhados. Não querem estar sozinhos. Ao contrário do que se pensa, nem sempre querem ser a voz que manda, que tem razão, mas querem sobretudo trocar experiências, conhecer e questionar. É notável que essa geração não possui os mesmos interesses e condutas das gerações passadas. São muito mais críticos, envolvidos no conhecimento teórico e por vezes prático, rápidos e conectados. A Igreja, entendendo a essa realidade, deve acompanhar cada vez mais as discussões, as temáticas e problemáticas juvenis, para que a comunidade possa ser acolhedora e opção certeira para esses adolescentes e jovens se pautarem. Precisam encontrar na comunidade eclesial um espaço familiar e não julgador, que comunique segurança. “[…] que as formas de comunicação atuais nos orientem efetivamente para o encontro generoso, a busca sincera da verdade íntegra, o serviço, a proximidade com os últimos e o compromisso de construir o bem comum. Ao mesmo tempo, como indicaram os bispos da Austrália, “não podemos aceitar um mundo digital projetado para explorar as nossas fraquezas e trazer à tona o pior das pessoas.”
A amabilidade propicia encontros que fogem da indiferença, do egoísmo, do egocentrismo, da autoreferencialidade. É um projeto de vida que se torna pedagogia para uma autêntica cultura do encontro. A comunidade de fé é chamada a ser luz em meio às diversas escuridões que permeiam a sociedade. Assumindo cada vez mais para si essa identidade da acolhida, da Instituição facilitadora da graça, permite-se ser suporte para os jovens, que se encontram nesta fase de desenvolvimento na busca constante de respostas, construções de projetos de vida etc. Diante das adversidades, das incompreensões e angústias, o acompanhamento se faz necessário, inclusive para que haja também uma possível prevenção de escolhas que podem ser irreversíveis. “A amabilidade é uma libertação da crueldade que as vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da ausência distraída que ignora que os outros também tem direito de ser felizes.”
A Igreja é cada vez mais convidada a ser “Perita em Humanidade”, não se faz indiferente, vai ao encontro e se faz casa, coração humilde e manso para ganhar muitos. Sendo a casa de Deus, é sobretudo a casa dos estourados, dos incompreendidos, dos excluídos, dos jovens que não possuem meta… É a casa por excelência da integração.
O Fruto de acompanhamento ideal
Livres de quaisquer interesses pessoais, guiados por Deus para acompanhar os jovens, compreensivos de que a simplicidade e a limpidez dos homens de Deus pode acolher um jovem na condição em que se encontram, tomar conhecimento de suas necessidades, respeitar seus desejos mais profundos e conservar suas confidências mais íntimas é que se chega ao fruto real de tal processo – a unidade.
A unidade é um projeto de vida que deve ser sempre assumido e renovado pela Igreja. O acompanhamento juvenil será proveitoso na medida em que for conduzido para este fim. “[…] para mim a unidade é Jesus ressuscitado hoje no mundo”, “[…] é Jesus entre nós.” Nossa meta como comunidade eclesial é seguir o Cristo que não só aponta o caminho como também é o próprio caminho verdade e vida (cf. Jo 14,6). Conduzir os jovens para esta unidade que se dá na comunidade, na vivência dos sacramentos, no cultivo das Sagradas Escrituras e no amor de se estar junto. Indo contra a maré do individualismo consumista, somos chamados a ser vocacionados da unidade, olhando para o irmão e investir tempo com ele, encontrar Jesus que habita em sua vida, em seu coração e permitir também esse encontro dele com o Cristo que está em nós. O autêntico encontro está aí. No optar pela unidade como fruto desse crescimento e investimento conjunto. “Jesus entre nós é plenitude de alegria, faz de nossa vida e de todos os que vivem a unidade uma festa contínua.
A amabilidade é a chave para o cultivo da cultura do encontro para a unidade, com o Cristo Ressuscitado que está vivo por nós. “A unidade é a ginástica da santidade. É o triunfo da caridade. É paraíso alcançado, embora estejamos sempre na terra e, portanto, in militia, para nos mantermos um e para consumar outras almas nessa unidade.”. Quanto mais a comunidade eclesial for fiel a este princípio, será certeira no “Ele está sempre em nosso meio”, testemunhando na radicalidade o amor evangélico, gerando frutos de seguimento e de compromisso. Nós não podemos falhar!
Este Artigo foi publicado na Revista Ekklesia Brasil – Maio/Junho 2021/1 pela https://www.cidadenova.org.br/